domingo, 22 de fevereiro de 2009

Cuco.


"Como é que cê tá?"

"Viva."

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E de repente me vi personagem de uma cena ocorrida no meu próprio passado. Eu sou meu ontem de amanhã. Que clichê. 'Some girls are bigger than others', Morissey disse. Mas eu sou um cuco. Minha vida ali, num azul envelhecido de quadrinhos, parecia não me pertencer. Era só uma menina, suas músicas e algumas bolachas. E a tal caneca de espirais. Espirais. Era pra ser o assim o movimento dos fatos [pelo menos era assim que eu acreditava], no entanto, surpresa! : tudo não passa de um movimento unidimensional. Linhas. E eu não passo de um cuco, de um lado para o outro.

Pensar a vida como uma maré de perguntas que nunca serão respondidas satisfatoriamente ajuda a entender o impasse em que me encontro: dizem por aí que insistir no erro é burrice, mas se não encontro o que é correto [reza a lenda que nunca encontrarei...], assumo o 'título'. Não há tempo. Como é que se alcança, afinal, a verdade de cada um? Durante a vida toda, tive a sincera sensação de que cada um sabe o que é certo para si e jura saber a respeito dos outros também. Partindo daí, talvez a vida passe em espirais; talvez não repetir os erros dos outros seja evolução. Mas não há tempo. E eu sou um cuco, de um lado para o outro.

A tal pergunta: "Como é que cê tá?", tão coloquial e complicada. Como é que eu estou? A mais inconstante das variáveis. Agora eu 'tô bem'. Mais um quarto de hora e não estou. É uma questão de tempo, ou até mesmo da falta dele. Para isso então, melhor uma resposta genérica: "Viva". É o mais natural. Ou pelo menos deveria ser. Mas e eu, que sou um cuco?!

A cena do presente já tinha brincado de passado várias vezes; repetia-se. Ia e voltava, sem desviar, pelos caminhos previamente traçados. Concentrava em si passado, presente e futuro e, vez ou outra, uma música vinha avisar que o tempo passara. Multiplicaram-se meses e anos num piscar de olhos; era eu aquela menina com os fones de ouvido? E me rio, no auge dos meus tantos anos imaginários. De volta ao meu 'ontem de amanhã', percebo quanta vida há em cada volta do relógio. Uma porta que se abre: é de onde eu vim, é para onde vou. Sim, eu sou um cuco. De um lado para o outro. Do futuro para o presente.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Pipoca.




E ela apareceu: uma apostila de poucas páginas, um tantinho amarelada, escondida entre os tanto papéis residentes no armário embaixo das prateleiras. Logo na primeira página um texto de Rubem Alves, “A pipoca”. Introdução aos estudos da sociologia, eu acho. Aquele punhado de papel causou uma sensação ímpar perfeitamente encaixada entre o tempo que passou e o que ainda está por vir. Para um ser tão marginal, até que foi um descanso...
“O homem é um animal social” (só não é possível saber quanto de sociabilidade há num “reles” ser humano...). Conviver é fundamental, como fica claro naquela historinha que o Cláudio (grande mestre e amigo) usava para exemplificar a necessidade da existência do “eu” e do “outro”: havia um homem que detestava viver e por isso, passava seus dias planejando a morte de todos os que estavam à sua volta. Nunca me esqueci dessa historinha. Aos 12 anos quem é que compreende algo tão abstrato? Se o homem detestava viver por que não acabava com a própria vida ao invés de exterminar o resto do mundo? Resposta absurdamente simples: ninguém vive sozinho.
Estou às margens do meu próprio “círculo social”... Talvez a timidez seja para mim um fator de isolamento social privado. Talvez não. Fato é que se o comportamento de alguém é definido pelo meio habitado, nada se poderia esperar deste ser que vos escreve. Tendo optado por viver num Universo rabiscado de traços hesitantes e cores fortes, quis pouco dos outros e muito de mim. É verdade que por todos os “outros” que conseguiram enxergar o “eu” por trás do semblante blasé em pleno calor tropical, cultivo carinho, atenção e cuidado; um pouco dessa necessidade em duas vias popularmente conhecida por ‘amor’. Mas ainda estou fora do tal círculo.
Ao reler a apostila com meus desenhos e anotações de pé de página tive saudade do tempo em que não percebia ser necessário esforçar-se tanto para ser feliz. Ser feliz? Ah, são apenas momentos. Acabo de descobrir que eles são gerados pelo esforço e, quando alcançamos um objetivo ou simplesmente caminhamos sem rumo certo deixando o vento tocar a pele, mostram-se presentes e despertam os mais sinceros sorrisos. Existem ainda as pessoas que ajudam a tornar esses sorrisos possíveis ou são ajudadas por nós. E de repente tudo parece único. Ainda assim meu círculo permanece fechado. Honestamente, não é tão ruim assim. Acho que é, apesar do clichê, uma questão de tempo.
Rubem Alves, no texto que abre minha amarelada apostila, descreve o caráter onírico das pipocas. Um dos trechos que gosto de lembrar diz que “a transformação só acontece pelo poder do fogo” e que “Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre”. O tempo é o fogo que transforma. As pessoas e os lugares também. E um dia desses, quando deixar de ser milho de pipoca, perceberei que o tal círculo nunca existiu. Só momentos, pessoas e sorrisos: felicidade.