"Como é que cê tá?"
"Viva."
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E de repente me vi personagem de uma cena ocorrida no meu próprio passado. Eu sou meu ontem de amanhã. Que clichê. 'Some girls are bigger than others', Morissey disse. Mas eu sou um cuco. Minha vida ali, num azul envelhecido de quadrinhos, parecia não me pertencer. Era só uma menina, suas músicas e algumas bolachas. E a tal caneca de espirais. Espirais. Era pra ser o assim o movimento dos fatos [pelo menos era assim que eu acreditava], no entanto, surpresa! : tudo não passa de um movimento unidimensional. Linhas. E eu não passo de um cuco, de um lado para o outro.
Pensar a vida como uma maré de perguntas que nunca serão respondidas satisfatoriamente ajuda a entender o impasse em que me encontro: dizem por aí que insistir no erro é burrice, mas se não encontro o que é correto [reza a lenda que nunca encontrarei...], assumo o 'título'. Não há tempo. Como é que se alcança, afinal, a verdade de cada um? Durante a vida toda, tive a sincera sensação de que cada um sabe o que é certo para si e jura saber a respeito dos outros também. Partindo daí, talvez a vida passe em espirais; talvez não repetir os erros dos outros seja evolução. Mas não há tempo. E eu sou um cuco, de um lado para o outro.
A tal pergunta: "Como é que cê tá?", tão coloquial e complicada. Como é que eu estou? A mais inconstante das variáveis. Agora eu 'tô bem'. Mais um quarto de hora e não estou. É uma questão de tempo, ou até mesmo da falta dele. Para isso então, melhor uma resposta genérica: "Viva". É o mais natural. Ou pelo menos deveria ser. Mas e eu, que sou um cuco?!
A cena do presente já tinha brincado de passado várias vezes; repetia-se. Ia e voltava, sem desviar, pelos caminhos previamente traçados. Concentrava em si passado, presente e futuro e, vez ou outra, uma música vinha avisar que o tempo passara. Multiplicaram-se meses e anos num piscar de olhos; era eu aquela menina com os fones de ouvido? E me rio, no auge dos meus tantos anos imaginários. De volta ao meu 'ontem de amanhã', percebo quanta vida há em cada volta do relógio. Uma porta que se abre: é de onde eu vim, é para onde vou. Sim, eu sou um cuco. De um lado para o outro. Do futuro para o presente.